É comum a contratação de empréstimos, e o consumidor espera condições justas e compatíveis com sua realidade financeira. No entanto, não é raro deparar-se com a imposição de juros abusivos, que comprometem o orçamento familiar e, muitas vezes, tornam a dívida impagável.
1. O que são juros abusivos?
Os juros são considerados excessivos ou abusivos quando superam os limites razoáveis praticados pelo mercado ou quando não há clareza sobre sua cobrança no momento da contratação.
Mas, afinal, como saber se em um contrato possui juros abusivos e quais são os limites para a cobrança de juros? Os bancos têm limites para cobrar juros?
A resposta é sim, e essa análise leva em conta três fatores principais:
a) Forma de cobrança dos juros: Juros cobrados de forma composta (anatocismo), onde os juros incidem sobre os próprios juros, ou de forma simples, quando são cobrados apenas sobre o valor inicial.
b) Taxa de juros: Valor da taxa de juros, que pode estar acima da média praticada no mercado.
c) Encargos ilegítimos: Cobranças extras, como seguros ou taxas que não foram acordadas, que podem aumentar indevidamente a dívida.
Vamos analisar cada um desses pontos detalhadamente, para que possamos entender se há ou não cobrança de juros abusivos em seu contrato.
2. Forma de cobrança dos juros – anatocismo.
Atualmente o entendimento prevalente é no sentido de que a capitalização de juros é admitida (cobrança de juros sobre juros/anatocismo), desde que esteja expressamente pactuada no contrato. O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo (REsp 1.388.972/SC – Tema 953), firmou a seguinte tese:
A cobrança de juros capitalizados em contratos bancários é lícita, desde que expressamente pactuada entre as partes.
Mas afinal, o que significa “expressamente pactuada“?
A cláusula contratual que prevê a capitalização de juros deve estar redigida de forma clara, objetiva e destacada, evidenciando o conhecimento e o consentimento do consumidor.
Muitos contratos bancários são omissos ao detalhar de forma adequada se os juros praticados são realizados na modalidade simples ou composta. Essa falta de transparência contratual pode tornar abusiva a cobrança de juros capitalizados em seu contrato, especialmente quando o consumidor não teve acesso pleno às cláusulas ou o contrato sequer foi fornecido.
Para identificar se há autorização para a cobrança de juros sobre juros, busque no contrato expressões como:
- “cobrança de juros sobre juros”;
- “juros capitalizados”;
- “taxa efetiva anual”;
- “taxa nominal com capitalização”;
- “encargos financeiros capitalizados”;
- “juros acumulados mensalmente”;
- ou veja se a taxa anual informada é maior do que 12 vezes a taxa mensal (exemplo: 1% ao mês e 12,68% ao ano).
Essa última hipótese está contemplada nas Súmulas 539 e 541 do STJ:
É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.
A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança dataxa efetiva anual contratada.
Fonte: Súmula 539 do STJ.
Fonte: Súmula 541 do STJ.
Na prática bancária, quando se anuncia uma taxa de 1% ao mês e 12% ao ano, pode haver uma interpretação equivocada de que se trata de juros simples, pois 1% × 12 meses resulta em 12% ao ano. No entanto, caso a capitalização seja mensal e o regime adotado seja o de juros compostos, a taxa anual efetiva (TAE) será superior a 12%. Isso ocorre porque, no regime de capitalização composta, os juros de cada período incidem sobre o montante acumulado no período anterior, caracterizando o chamado “juro sobre juro”.
Quando o contrato apresenta uma taxa de juros anual superior ao resultado da multiplicação da taxa mensal por 12, isso significa que o banco está legalmente autorizado a aplicar juros capitalizados, mesmo que essa prática não esteja expressamente descrita em uma cláusula específica do contrato.
Para ilustrar os efeitos práticos da capitalização de juros, considere o seguinte exemplo:
- Empréstimo: R$ 50.000,00
- Prazo: 15 anos (180 meses)
- Taxa de juros anual: 12%
- Juros aplicados de forma simples (Fórmula:
J = P × i × t
), Juros totais: R$ 90.000,00, Montante final: R$ 140.000,00. - Juros aplicados de forma composta (Fórmula:
M = P × (1 + i)^n
), Juros totais: R$ 223.678,29, Montante final: R$ 273.678,29.
Obs. Os dados exemplificados não consideram a correção monetária.
Nesse contexto, embora as instituições financeiras não sejam obrigadas a declarar de forma explícita, no contrato, a incidência de juros sobre juros, podendo apenas indicar de maneira, pouco obscura, que a taxa anual é superior à mensal, o que é considerado “lícito” nos tempos atuais, ainda assim, frequentemente, ultrapassam os limites do dever de prestar informações ao cliente no contrato.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), no artigo 6º, inciso III, garante que é direito do consumidor obter informações claras, precisas e adequadas sobre os serviços contratados, e não ser vítima de práticas que escondem ou distorcem as condições acordadas.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Exemplo disso ocorreu em São Paulo, onde em um processo judicial de revisão de contrato mencionava apenas a Tabela Price (sistema de parcelas fixas usado em financiamentos), o que não foi considerado suficiente para configurar a expressa pactuação da capitalização de juros. A ausência de cláusula clara e específica levou o Tribunal a desconsiderar os juros compostos aplicados no contrato.
INAPLICABILIDADE. 1. A utilização do Sistema Francês de Amortização, Tabela Price, para cálculos das prestações da casa própria, não é ilegal e não enseja, por si só, a incidência de juros sobre juros (…)
Fonte: JusBrasil.
A falta de clareza nas cláusulas, especialmente no que se refere à aplicação dos juros ou à frequência da capitalização, pode ser um argumento forte a seu favor. Para determinar a validade da cobrança de juros compostos, é necessário analisar o contrato como um todo. A transparência e o consentimento do consumidor são princípios fundamentais, e, caso o contrato não seja claro o suficiente, a capitalização dos juros pode ser considerada indevida.
3. Taxa de juros – superior à média habitual praticada no mercado.
Os juros em um contrato também podem ser considerados igualmente abusivos em razão do valor da taxa cobrada (X%), quando esta ultrapassa a média praticada no mercado. No entanto, vale destacar que essa média é frequentemente definida pelos próprios bancos, que no dia a dia determinam os valores a serem cobrados habitualmente em seus contratos.
Além disso, a Súmula 382 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) esclarece que:
A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.
Ora, se os juros abusivos em razão do valor da taxa são definidos como aqueles cobrados acima da média do mercado, e se a simples estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao mês não configura, por si só, abusividade — afinal, o que caracteriza os tais juros abusivos?
O Tribunal Superior de Justiça (STJ) firmou entendimento de que, são considerados juros abusivos quando:
a) A taxa de juros está bem superior à média de mercado na época da contratação;
b) Quando comprovado que houve onerosidade excessiva ou comprometimento significativo das finanças do devedor.
Fonte: Recurso Especial n. 1.061.530/RS.
Importante! Cada contrato será analisado de forma individual, considerando os detalhes de cada caso. O entendimento atual do STJ (Superior Tribunal de Justiça) é que, além de a taxa de juros estar acima da média do mercado, é preciso mostrar como isso afeta a vida financeira do consumidor. Ou seja, é necessário apresentar, no processo, argumentos consistentes que demonstrem como a taxa elevada impacta negativamente em sua vida financeira — como atrasos no pagamento de contas, aumento do endividamento e renúncia a gastos essenciais, como saúde e alimentação.
O primeiro passo é comparar as taxas praticadas com as médias divulgadas pelo Banco Central. Caso a taxa contratada for significativamente superior à média, sem justificativa clara, a abusividade pode estar presente.
Nos contratos bancários em que não há prova da taxa contratada, aplica-se a Súmula 530 do STJ, que estabelece, na ausência de um contrato formalizado, deverá ser considerada a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central (Bacen) como referência:
Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada – por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos-, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.
Para uma referência concreta, é possível comparar as taxas de juros praticadas com as médias divulgadas pelo Banco Central do Brasil, que regularmente publica informações sobre a taxa média de juros aplicada pelos bancos.
Essas informações podem ser consultadas diretamente aqui.
4. Encargos ilegítimos – cobrança de seguros e taxas indevidas.
Em contratos de empréstimo, é comum a inclusão de produtos adicionais, como seguros e taxas, que são financiados junto com o valor principal. Entre eles estão o Seguro Prestamista (inserido nas parcelas), o Seguro por Morte ou Invalidez Permanente – M.I.P., e o Seguro de Danos Físicos ao Imóvel – D.F.I. e etc.
Ocorre que, muitas vezes, o banco não informa de forma clara que o contrato inclui esses serviços adicionais, tampouco oferece ao consumidor a opção de contratar o empréstimo sem eles, o que acaba encarecendo ainda mais a dívida de maneira indevida. Essa prática caracteriza venda casada, proibida pelo artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, que veda condicionar o fornecimento de um produto ou serviço à aquisição de outro.
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
Para identificar se um contrato contém juros abusivos devido à inclusão de serviços não solicitados, é essencial verificar em seu contrato o anexo CET — Custo Efetivo Total. Esse índice engloba todas as cobranças previstas no contrato, como juros, seguros e taxas, oferecendo uma visão precisa do custo real da operação.
Quer mais informações sobre CET — Custo Efetivo Total? Clique aqui.
Quando o banco não informa corretamente o CET ou cobra a mais do que foi combinado no contrato, ele infringe o Art. 1º, § 1º da Resolução nº 3.517 do Banco Central.
Art. 1º As instituições financeiras e as sociedades de arrendamento mercantil, previamente à contratação de operações de crédito e de arrendamento mercantil financeiro com pessoas naturais e com microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, devem informar o custo total da operação, expresso na forma de taxa percentual anual, calculada de acordo com a fórmula constante do anexo a esta resolução. (Redação dada pela Resolução nº 3.909, de 30/9/2010)
§ 1º O custo total da operação mencionado no caput será denominado Custo
Efetivo Total (CET).
Nesses casos, é possível revisar o contrato na Justiça e até receber de volta valores cobrados indevidamente.
5. O que fazer diante de um empréstimo com juros abusivos?
Se você desconfia que está pagando juros acima do normal, é fundamental agir com atenção e estratégia.
Você deverá seguir as etapas abaixo:
I) Solicite ao banco uma cópia completa do seu contrato – Incluindo todos os anexos, aditivos e demonstrativos de evolução da dívida. Essa documentação é fundamental para avaliar se existem cobranças indevidas ou taxas mal explicadas.
II) Verifique a taxa de juros e o Custo Efetivo Total (CET) – O Custo Efetivo Total engloba todos os encargos e taxas do financiamento, é importante garantir que ele esteja corretamente informado e que não haja cobranças extras.
III) Ação judicial ou negociação extrajudicial – Caso seja identificada qualquer abusividade, o consumidor pode exercer seus direitos por meio de uma ação judicial ou, dependendo da estratégia adotada para o caso, por meio de uma negociação diretamente com o banco.
É possível solicitar:
- Revisão das cláusulas contratuais, com redução das taxas de juros para valores compatíveis com a média do mercado;
- Devolução dos valores pagos a mais, de forma simples ou em dobro, conforme o artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor;
- Indenização por danos materiais e/ou morais, caso seja comprovado que a cobrança abusiva causou prejuízos financeiros ou emocionais ao consumidor.