Estar endividado é mais comum do que parece — e não é motivo de vergonha. O problema acontece quando muitas pessoas tentam pagar suas dívidas, mas acabam acumulando com outras.
A boa notícia é que existe uma solução legal para quem quer reorganizar sua vida financeira com dignidade, e ela está prevista na Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento.
Se você chegou a um ponto em que não consegue mais quitar suas dívidas sem abrir mão do básico — como alimentação, moradia ou saúde — então esta lei pode te ajudar.
1. O que é uma pessoa superendividada?
O superendividado é aquela pessoa que, mesmo querendo pagar suas dívidas, não tem mais condições financeiras de arcar com tudo que deve, sem comprometer a sua sobrevivência e de sua família.
A lei garante a esse consumidor o direito de:
a) Ter acesso à renegociação de forma justa;
b) Preservar um valor mínimo para viver com dignidade (o chamado “mínimo existencial”);
c) Ser protegido contra cobranças abusivas ou constrangedoras.
Você pode encontrar essas informações detalhadas de forma oficial no portal Gov.br. Clique aqui.
2. Como funciona o processo judicial de superendividamento?
Com a alteração do Código de Defesa do Consumidor, foi criado um procedimento específico para quem está em superendividamento.
Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.
Art. 104-C. Compete concorrente e facultativamente aos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas, nos moldes do art. 104-A deste Código, no que couber, com possibilidade de o processo ser regulado por convênios específicos celebrados entre os referidos órgãos e as instituições credoras ou suas associações.
Em resumo, o procedimento judicial de superendividamento permite ao consumidor reorganizar suas finanças com segurança jurídica, mediante plano de pagamento viável e supervisionado pelo Poder Judiciário. Caso não haja acordo, o juiz poderá impor um plano compulsório, com base nas provas e na capacidade de pagamento demonstrada no processo.
3. Como isso funciona na prática?
Ao entrar na Justiça alegando estar em condição de superendividamento e apresentar um plano para pagar suas dívidas de acordo com o que realmente consegue. É iniciado um processo que envolve todos os credores ao mesmo tempo, o que facilita a negociação.
a) processo judicial com plano de pagamento.
O primeiro passo consiste em buscar a orientação de um advogado, o qual elaborará um plano de pagamento compatível com a sua realidade financeira, acompanhado de uma fundamentação jurídica que o sustente.
Nesse plano, devem estar:
I) Todas as dívidas, com nome dos credores, valores e datas;
II) Provas de que você não parou de pagar por má-fé (ou seja, você não deu calote, mas passou por dificuldades reais);
III) Um plano com parcelas que você consiga pagar, deixando uma parte para moradia, alimentação e saúde.
Esse plano é entregue ao juiz por meio de uma petição inicial — um documento que dá início ao processo.
b) suspensão imediata das cobranças.
O advogado pode pedir ao juiz, logo no início do processo, que suspenda as cobranças abusivas, caso essas não estejam de acordo com a lei, enquanto a Justiça analisa o seu plano de pagamento.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal reconheceu essa possibilidade antes mesmo da audiência de conciliação, quando há comprovação de superendividamento.
No caso, uma mulher endividada, que havia feito empréstimos a instituição financeira, teve sua única fonte de renda, a pensão alimentícia dos filhos, comprometida. Mesmo assim, o banco continuava com os descontos, ignorando sua difícil situação financeira, prejudicando a sua sobrevivência e de sua família.
Fonte: Conjur.
c) audiência de conciliação.
A audiência de conciliação é uma etapa obrigatória no processo de superendividamento. Nela, o juiz reúne o devedor e os credores para tentar um acordo que permita o pagamento das dívidas de forma a não comprometer a renda mínima necessária para a sua subsistência.
O devedor apresenta uma proposta de pagamento, e se todos os credores concordarem, o acordo é formalizado.
Caso não haja consenso, o processo avançará para as próximas etapas, incluindo a elaboração de um plano judicial para repactuação das dívidas.
d) sem acordo, prosseguimento do processo.
Nessa etapa, o juiz poderá elaborar e impor um plano judicial de pagamento com base nas informações apresentadas no processo, mesmo sem a concordância dos credores.
Esse plano tem como objetivo garantir o pagamento das dívidas dentro da capacidade financeira do consumidor, preservando o mínimo necessário para sua sobrevivência.
Esse plano pode incluir:
- Parcelamento das dívidas;
- Prazos de até 5 anos para pagamento total;
- Período de carência;
- Redução de encargos;
- Reorganização das dívidas entre os credores.
O objetivo é permitir que o consumidor pague suas dívidas de forma justa, viável e com respaldo da Justiça.
e) cumprimento do plano.
Depois de homologado, o plano tem força de decisão judicial. O consumidor deve seguir o que foi estabelecido, e os credores são obrigados a respeitar as condições nele fixadas.
Se o devedor cumprir corretamente, ao final do prazo, as dívidas previstas no plano são consideradas quitadas.
4. Quais dívidas podem entrar nesse processo?
A maioria das dívidas de consumo, como:
- Cartão de crédito;
- Empréstimos bancários;
- Empréstimos em financeiras ou lojas.